sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Hassan Nasrallah: Saad Hariri e o Líbano, reféns da Arábia Saudita?

5/11/2017, Discurso do secretário-geral do Hezbollah, Sayed Hassan Nasrallah, depois da renúncia do primeiro-ministro do Líbano Saad Hariri [excertos] (tradução, transcrição e legendas ao francês, de Sayed Hassan. Vídeos 12 e 3)


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu






[…] Meu discurso dessa noite será todo dedicado a esse ponto (a demissão/renúncia do primeiro-ministro Saad Hariri). Para não começar diretamente pelas análises ou para não nos basearmos simplesmente em análises (discutíveis), quero começar pelos fatos e dados confirmados. Fatos conhecidos por todos os ministros do governo atual, que os ouviram diretamente do chefe do governo, especialmente os ministros que se reúnem no conselho de ministros encarregados de fazer aplicar a lei eleitoral. 

O que direi aqui e agora estava nos veículos das mídias, mas quero destacar, porque nossos ministros também ouviram diretamente e assistiram desde o início a todo o processo do qual falarei. E por isso consideramos isso como dados, como fatos, não como análise construída de fora e de longe. 

Vocês sabem que há alguns dias, um dirigente saudita manifestou-se e fez declarações longas e amargas contra o Líbano e o Hezbollah, e falou de tirar o Hezbollah do governo e negou a intenção de derrubar o governo. Fez ameaças, solenes promessas, vituperou, pavoneou-se e afinal disse que o chefe do governo libanês havia sido convocado rapidamente para ir à Arábia Saudita. É informação indiscutível, porque o primeiro-ministro cancelou encontros e partiu para a Arábia Saudita. 

Todo o país – dirigentes, ministros, forças políticas – esperavam o resultado daquela visita. Estou falando da primeira visita, não da segunda, durante a qual anunciou a própria demissão. E todos esperávamos o resultado da visita. Claro, naquela primeira visita, todo mundo esperava que houvesse pressões sobre o ministro Saad Hariri para que se demitisse e, com isso, forçasse a queda do governo. 

Mas quando o chefe de governo voltou da Arábia Saudita, e o conselho de ministros reuniu-se, bem como os diferentes comitês ministeriais, tão logo todos os convidados que o encontraram, e essa é coisa sabida de todos, que ele disse a todos, e que também divulgou de várias maneiras, que a Arábia Saudita defende a estabilidade e a segurança no Líbano, a manutenção do atual governo e do diálogo entre os libaneses, e além disso que obtivera promessas de ajudas muito consequentes, que nos prepararíamos juntos para uma IV Conferência de Paris, e que obteríamos novas ajudas para o exército libanês. 

O primeiro-ministro declarou tudo isso (várias vezes e para diferentes interlocutores, públicos e privados). Estava à vontade, entusiasmado, e seu comportamento mostrava claramente tudo isso. E anunciou para 2ª ou 3ª-feira uma reunião do comitê ministerial encarregado de fazer aplicar a (nova) lei eleitoral.

Depois, o chefe de governo viajou novamente à Arábia Saudita, e de lá anunciou que renunciava ao cargo. Esses são fatos bem sabidos e incontestáveis. 

Naturalmente, vocês assistiram ao comunicado da renúncia, viram a forma. Para começar, a notícia foi divulgada pela rede oficial saudita Al-Arabiya, não pela rede do próprio Movimento do Futuro, do próprio Saad Hariri, nem pelas redes oficiais do estado libanês.

Em segundo lugar, a declaração havia sido gravada pela rede Al-Arabiya, e as demais redes apenas a reapresentaram. 

A forma da declaração, o modo como foi lida (leitura truncada, sem qualquer convicção, de texto impresso), o conteúdo e o alcance do texto todos viram, e adiante voltarei a essa questão. 

Até aqui, é a introdução, um resumo dos fatos. Os fatos são esses. 

Até o momento presente, ninguém sabe exatamente o que aconteceu. O chefe do governo Saad Hariri chegou à Arábia Saudita, e durante as 24 horas seguintes ninguém soube o que aconteceu exatamente e não se deve especular. Entre (as notícias de que) a Arábia Saudita mantém o apoio que dá ao governo, à estabilidade e à segurança no Líbano, a preparação da IV Conferência de Paris, a ajuda ao exército do Líbano, etc., etc., etc., até a repentina renúncia, da maneira como foi feita. Mas esses dados nos permitem extrair algumas conclusões garantidas, que não são especulações nem suposições. 

A demissão foi decisão dos sauditas imposta ao primeiro-ministro Saad Hariri que ele teve de aceitar; demitir-se não era intenção dele, nem interesse, nem vontade dele nem sua escolha. Ponto. Parágrafo. 

Considero que todos os libaneses, sejam políticos, jornalista ou simples cidadãos que tenham seguido esses eventos concordam sobre essa conclusão. Eis por quê. 

Até o modo (como foi feita a 'renúncia' ou demissão o confirma): a declaração foi feita de lá, da Arábia Saudita. Por que o homem não foi autorizado a voltar ao Líbano e anunciar aqui a própria renúncia? Permanece o ponto de interrogação. 

O texto escrito confirma a mesma impressão: os libaneses conhecemos nosso modo de falar, nossas expressões (locais e nacionais), conhecemos as fórmulas que o primeiro-ministro Hariri usa, escritas ou faladas. Aquele texto (da 'renúncia) não é texto libanês. Foi escrito por um saudita, é o estilo de expressão saudita, e o chefe do governo só fez ler o que puseram à frente dele. Isso também está bem claro e não há o que discutir. No Líbano, todos se surpreenderam. 

Mesmo que alguém diga que era esperado, talvez fosse esperado no plano político, mas de modo algum era esperado desse modo, tão rapidamente e nesse momento. Foi surpresa para todos: o presidente da República, o presidente do Conselho, os mais afetados pelo que houve, as (várias) forças políticas, e até os dirigentes, deputados e ministros do Movimento do Futuro (dirigido por Hariri).

Não há dúvidas de que a renúncia, como foi mostrada, criou uma atmosfera de inquietação no Líbano, e sobretudo por efeito das análises, dos slogans e das ameaças que a acompanharam. Todos os grupos políticos libaneses sentiram-se compelidos a anunciar a própria interpretação, sua posição, seu ponto de vista quanto à maneira de agir diante desse importante evento político. 

Por essa razão, nós, no Hezbollah, nessa noite, temos a dizer o seguinte: 

Primeiramente, absolutamente não esperávamos por essa renúncia. Falo sinceramente. Achávamos que as coisas estavam avançando de modo razoável. Não digo que tudo estivesse muito bem para todo mundo, mas, de modo geral, as coisas avançavam de modo razoável, todos se encontravam no governo, nos comitês ministeriais, à margem dos comitês ministeriais... As questões que surgiam estavam sendo discutidas. Algumas dificuldades talvez emergissem nas discussões, e se buscavam questões que permitissem avançar, e por isso se produziram tantas realizações importantes desde que esse governo foi formado e até hoje, no quadro do acordo vigente (que permitiu que o próprio governo fosse formado). Nós consideramos que o governo foi capaz de se manter e de alcançar novas realizações até as próximas eleições legislativas. 

Esse governo foi até capaz de organizar as próximas eleições. A atmosfera no país era favorável. Isso quanto ao primeiro ponto, e razão pela qual não esperávamos pelo que aconteceu. 

Em segundo lugar, nos detivemos sobre o modo como a renúncia foi anunciada, e sobre o que esse anúncio prova (claramente). O que digo aqui já foi dito no Líbano, alguma vez mais acerba, outras vezes menos, mas contento-me com duas frases: nos detivemos sobre a forma como foi anunciada a renúncia – a forma, o lugar, a matéria –, e aí já se veem provas de que houve agressão à soberania e à honra do Líbano, bem como à honra do próprio chefe do governo. Porque mesmo que tenha sido obrigado a renunciar, seria mais conveniente e preferível que ele pudesse voltar ao Líbano, que se apresentasse a Sua Excelência o presidente da República para lhe apresentar a renúncia, anunciá-la lá do Palácio de Baabda, e depois, que fosse o que Deus quisesse. Não é a primeira vez que um chefe de governo pede demissão. 

Seja como for, a demissão/renúncia, como foi feita, mostra o modo como opera a ingerência saudita nas questões internas do Líbano, como é feita, seus procedimentos. Isso, quando a mesma Arábia Saudita interpela e agride outros países (o Irã), declara guerra contra eles, sob o pretexto de que se estariam intrometendo em assuntos internos do Líbano. É prova retumbante. É prova retumbante, no nível da amplitude, da magnitude e da forma – forma inconveniente e indigna. 

Em terceiro lugar, quanto ao conteúdo da declaração lida pelo primeiro-ministro (Hariri), não comentaremos e não discutiremos o conteúdo político, apesar de ser declaração muito violenta, que inclui acusações muito graves e muito perigosas. Mas não entraremos em debate, e o Hezbollah, no conjunto, não entrará em nenhuma disputa sobre o conteúdo político do anúncio da renúncia. Porque entendemos que se trata de texto saudita, declaração dos sauditas. 

Assim sendo, se aceitarmos a discussão sobre o conteúdo político daquele documento, teríamos de nos dirigir diretamente à Arábia Saudita. Não estaríamos falando com Saad Hariri ou com o Movimento do Futuro. Porque entendemos, como já disse, que a declaração não é declaração de Hariri.  

E o que está escrito naquela declaração difere profundamente de tudo que Saad Hariri disse desde que se tornou primeiro-ministro: o vocabulário que usa, as expressões das quais se serve, o modo de ver as coisas e de agir, a via política que empreendeu desde a posse, absolutamente não são coerentes com esse texto e com esse conteúdo. 

Em quarto lugar, devemos todos ter paciência e ponderar nossas reações: ninguém deve precipitar-se em análises, em interpretações e na compreensão (global) dos eventos, em tomar posições, sequer medidas e planos práticos de ação, exceto posições e medidas para manter a paz e a segurança no país. Hoje, a única coisa realmente importante e necessária é compreender a razão (de tudo isso). 

Até aqui, até hoje, estamos em contato com todo o mundo, e escutamos informações, fazemos consultas, e até agora, tanto quanto sei, ninguém no Líbano compreendeu a verdadeira razão da renúncia/demissão. Todo mundo no Líbano está surpreso e não compreende por que aconteceu, qual a verdadeira razão. Compreender a verdadeira razão é a chave para reagirmos (como se deve) a esse desenvolvimento e à etapa que virá depois dele. 

A saber: por exemplo, a demissão a que o chefe de governo foi forçado foi causada por razão interna no Líbano? Com absoluta certeza, não. E considero que os libaneses também concordam unanimemente quanto a esse ponto. O homem não planejava demitir-se, estava tudo bem, falava e se comunicava com todos, mantinha encontros com todos... Era ativo e tinha papel positivo, seja nas reuniões do governo seja nos comitês ministeriais. Não havia pois qualquer razão interna que exigisse a renúncia/demissão. 

Algumas pessoas no Líbano, em acertos de contas pequenos e mesquinhos, aparecerão para dizer que o chefe do governo seria detestado por um ou outro partido, um ou outro ministro, um ou outro responsável... Não seria razão para renunciar/demitir-se. Absolutamente não se trata de acertos de contas (pessoais, entre libaneses). Não há razão interna libanesa que levasse à renúncia/demissão. A razão da renúncia/demissão tem de ser buscada na Arábia Saudita. 

Assim sendo, sim, consideremos a Arábia Saudita e que razão haveria lá, para a renúncia/demissão do primeiro-ministro do Líbano. 

A razão estará uma luta interna na Arábia Saudita entre os príncipes, luta pelo trono, entre o príncipe herdeiro e os (outros) filhos da família Saud? Há luta lá entre diferentes linhas políticas? É luta de ordem financeira? Se se trata de assalto às riquezas de um, dono de centenas de milhões de dólares, ou de algum outro, dono de dezenas de milhões, entre os filhos da família reinante, como estará a coisa hoje? Será que [a renúncia/demissão de Hariri] tem alguma conexão com o combate entre os príncipes, e que, por consequência, o primeiro-ministro Saad Hariri acabou envolvido nessa confusão? Terá ele de prestar contas a um ou outro príncipe, a uma ou outra linha? Essa é uma questão legítima. 

Ou quem sabe a razão nada tem a ver com as lutas internas (na Arábia Saudita), e está relacionada ao fato de que a Arábia Saudita não está satisfeita com o comportamento pessoa e (a posição política) de Saad Hariri e quer substituí-lo por outro primeiro-ministro mais agressivo, que seguirá ao pé da letra alguma política que empurre o país para onde a Arábia Saudita deseja empurrá-lo? Essa também é questão legítima. E aí pode estar a razão da renúncia/demissão. 

Ou também pode ser que a razão seja que a Arábia Saudita tem um plano para atacar o Líbano, uma vez que falou do Hezbollah, do Irã, da influência crescente do Irã e da luta Irã-sauditas, que não passaria de um primeiro passo que anunciaria uma grande batalha futura. 

Para responder essas perguntas, é preciso esperar para conhecer a verdadeira razão que levou a Arábia Saudita a impor a renúncia ao chefe do governo do Líbano. E de ela ter acontecido como aconteceu. 

E mais do que o modo como aconteceu – porque, na verdade, hoje, com algumas informações, análises e rumores no Líbano que falam pessoalmente de Saad Hariri, preocupam-se com ele (onde está hoje, se está em prisão domiciliar, se é prisioneiro), todas essas são perguntas legítimas. É livre para voltar ao Líbano, conseguirá voltar? Também são perguntas perfeitamente legítimas, não se trata de exagero nosso, aqui no Líbano. Porque há informações de que o príncipe Mut'eb b. Abdallah b. Abdelaziz, filho do rei precedente, bem como Turki b. Abdallah, também filho do rei Abdallah, me parece, e Walid b. Talal b. Abdelaziz, anterior ministro da Guarda, constituem um exército considerável na Arábia Saudita, os grandes príncipes da família real, os filhos e netos mais eminentes de reis que tiveram as mais altas responsabilidades no Reino, e controlam redes e fortunas colossais, se todas essas figuras são presas... Evidentemente é direito nosso nos preocupar e perguntar "meu irmão, mostre-nos nosso primeiro-ministro que se demitiu, onde está? O que se passa com ele?" Entendo que essa preocupação seja perfeitamente legítima. 

Por isso é preciso pesquisar a verdadeira razão, porque se trata manifestamente de iniciativa saudita, de medida tomada pelos sauditas, mas em que quadro inscreve-se pois essa medida? Trata-se de substituir o primeiro-ministro? Trata-se de derrubar o governo e de impedir que se forme novo governo no Líbano ? Trata-se de agredir a estabilidade e a segurança do Líbano ? Trata-se de iniciar uma guerra como as que a Arábia Saudita lançou no Iêmen e em outros países e apoiou na Síria e no Iraque? Em que quadro inscreve-se [a demissão do primeiro-ministro]? No quadro de disputas pessoais, consequentemente sem qualquer relação com o Líbano, com o governo no Líbano? Ou no quadro das práticas políticas e governamentais do primeiro-ministro Hariri e exclusivamente ligada a problemas internos da Arábia Saudita? 

Entendo que se os libaneses conseguirem compreender tudo isso nos próximos dias, será útil para podermos determinar o modo de reagir na próxima etapa. 

Assim, baseados no que acabo de lembrar, nós, no Hezbollah, recomendamos as providências e atitudes que seguem:

Em primeiro lugar, manter a calma, a paciência e o equilíbrio, enquanto esperamos que a imagem defina-se, que a situação se esclareça e que sejam reveladas as verdadeiras razões. Consequentemente não é o caso de as pessoas atirarem-se na direção de boatos, rumores falsos, análises, intimidações e frases de propaganda – e comentarei algumas dessas, duas apenas, em alguns instantes. Isso quanto ao primeiro ponto. 

Em segundo lugar, nós, do Hezbollah confirmamos nosso compromisso primordial com preservar a segurança, a estabilidade e a paz civil no Líbano. Convoco todos os libaneses a não se inquietar, a não se deixar tomar pelo medo. Nada justifica a inquietação. Não pelo menos, de nossa parte

Se alguém der muita importância ao que a Arábia Saudita venha a dizer ou fazer, ou no que fez ou disse, e abrir a porta para reação virulenta, ou para ações amargas e virulentas, cometerá grave engano, estará completamente enganado. 

Nós nos comportaremos com plena responsabilidade nacional, com perfeita calma. E conclamamos todos a manterem também a calma, para preservar o que temos de mais valioso hoje no Líbano, a saber a segurança, a estabilidade e a paz civil defendidas a ferro e fogo, como todos estão vendo, nessa região, que atravessa tantas crises políticas e de segurança. 

Por isso junto minha voz às demais vozes e digo aos libaneses e a todos que estão no Líbano: mantenhamos a calma e a ponderação, vejamos bem como reagir de modo racional e sábio a essa questão, com ponderação e responsabilidade. Somos um país, temos um Estado e instituições, temos uma Constituição e organismos constitucionais, dirigentes e juízes no país. Com certeza superaremos essa provação. […] 

Seria talvez do interesse da alguém [no Líbano] levar o país de volta àquela situação passada [do vácuo de poder]? Para o Líbano certamente isso não interessa. E todos os partidos, todas as pessoas, todos os dirigentes políticos ou qualquer arrogante obstinado que deseje tumultuar a situação no Líbano, ou fazer o Líbano retornar à situação anterior [de paralisia das instituições], deve ser acusado de traição, porque sem dúvida não estará agindo no interesse do Líbano, mas a favor de interesses de fora, a favor de interesses de seus patrões, que querem destruir esse país pacífico, estável, em segurança, confiante e racionalmente seguro de si mesmo. 

Sexto e último ponto: os slogans e declarações

As frases, declarações e slogans que foram lançados nos últimos dias são muito fortes. Disse antes que comentaria dois deles, mas na verdade comentarei três.

Quanto ao primeiro assunto dessas declarações e slogans que começaram a circular, infelizmente, Sua Excelência o primeiro-ministro Saad Hariri tem alguma responsabilidade, porque na declaração que leu, talvez para explicar por que não voltara ao Líbano, Hariri disse que começara a sentir-se pessoalmente visado no plano da própria segurança, etc. Na sequência, a rede Al-Arabiya distribuiu – foi a única rede – uma notícia segundo a qual os serviços de segurança no Líbano teriam descoberto um complô para matar o primeiro-ministro Saad Hariri. Só a rede Al-Arabiya. Imediatamente as forças de segurança aqui no Líbano negaram que fosse verdade, dizendo que absolutamente não havia qualquer confirmação daquelas 'notícias'. O exército libanês e a Segurança Geral também publicaram manifestos pelos quais afirmam que nada daquelas informações é verdade, nem sobre algum plano contra Hariri, nem sobre qualquer outro assassinato político. Ninguém jamais ouvira falar de tal coisa. 

Por que, então, o canal Al-Arabiya teria distribuído aquela 'notícia'? Talvez para permitir que, no caso de alguém perguntar aos sauditas por que impediram que o primeiro-ministro demissionário voltasse ao Líbano, houvesse algo a responder, alegando essas mesmas 'notícias' sobre ameaças à vida dele, o que 'explicaria' que o mantivessem longe do Líbano. É hipótese perfeitamente verossímil. 

Assim também, outras pessoas no Líbano uniram-se nessa mesma linha e puseram-se a falar de assassinatos políticos que segundo elas acontecerão no Líbano, e até já sabem quais os partidos políticos seriam alvos, todos personalidades do Movimento 14 de Março [de Saad Hariri].  

Se no Líbano há aparelho judiciário e organismos encarregados da segurança, espero que interpelem [o autor dessas declarações] – é um ex-ministro bem conhecido – e digam a ele "Muito bem, se você confirma o que andou dizendo, precisamos de todas as informações. Porque são declarações que têm influência muito nefasta na atmosfera do país, contra a paz civil, contra a segurança de todos, com efeitos na economia..."

Que o convoquem e exijam que ele preste informações sobre o que diz, sobre o que sabe. E se ele insistir em continuar a espalhar boatos, a falar no vazio, é preciso que seja acusado e julgado. Fato é que, se ele fala de assassinatos nesse país, está jogando com a vida, com o sangue do povo. 

Até aí o primeiro ponto. Não me cabe negar ou confirmar, porque essa responsabilidade é do Estado, e o Estado disse, mediante seus aparelhos de segurança e militares, que são alegações [sobre complôs para assassinar políticos] absolutamente sem qualquer fundamento. 

O segundo ponto que também circula, e suscitou uma espécie de inquietação no país, é a ideia de que a demissão/renúncia do primeiro-ministro seria o primeiro passo de uma guerra que Israel declararia contra o Líbano. Essa 'notícia' também gerou inquietação no Líbano. 

Quero dizer aos libaneses, e já falei longamente sobre isso em muitas ocasiões, que Israel não trabalha para a Arábia Saudita. 

Israel trabalha sempre e evidentemente para os EUA, e trabalha, claro, também, para os próprios interesses. 

Claro que ninguém poderia negar categoricamente que Israel planeje atacar o Líbano, mas que o ataque ou deixe de atacar só depende de cálculo israelense. De planos exclusivamente israelenses. Os israelenses são unânimes quanto a esses cálculos, nunca pararam e nunca desistiram desde q guerra de 2006. 

O que estou dizendo é que Israel só atacará o Líbano se puder ter certeza de que a guerra seja rápida, curta, decisiva, com possibilidade de vitória clara e manifesta de Israel, que não custe muito a Israel e lhe renda muito. Quanto a isso, não há discussão em Israel, a unanimidade é total. 

Assim também, Israel tem medo de se lançar numa guerra que não atenda todos esses critérios, porque as consequências sobre a entidade sionista e o preço que lhes custará em termos materiais e no plano moral serão altos demais, e as consequências estratégicas sobre a própria existência da entidade sionista seriam muito graves. Eis por que vivem de tentar meter medo e de tentar intimidar sem parar.

Mas considerem a linguagem dos israelenses desde 2006 até hoje: "Se o Hezbollah faz isso, se o Hezbollah faz aquilo, então nós faremos isso, atacaremos, e a guerra será tal e tal... " Tudo sempre condicionado ao que o Hezbollah faça. Israel sempre fala no condicional. 

Hoje não quero nem confirmar nem negar [a possibilidade de iminente agressão israelense], mas lhes digo que nesses planos e cálculos e nos elementos de avaliação, nada tem qualquer coisa a ver com haver ou não haver governo no Líbano, nem com a identidade do chefe do governo libanês, a linha política dele ou de outro qualquer. 

Nenhum desses dados políticos tem qualquer incidência nos planos e projetos dos sionistas israelenses para atacar ou não atacar o Líbano. Consequentemente, ninguém deve instrumentalizar os recentes acontecimentos e metê-los à força numa questão que ultrapassa em muito a renúncia/demissão do chefe do governo, ou da continuidade do governo, ou da queda do governo. 

Hoje, mais que nunca os cálculos dos israelenses no que tenham a ver com agredir o Líbano levam amplamente em conta os desenvolvimentos regionais e internacionais – e esses mudaram muito na comparação com o que havia na guerra de julho de 2006. Nem preciso estender-me sobre a importância disso. Todos sabem que é questão que muito inquieta os libaneses. Mas, sejam quantos e quais forem as preocupações quanto a essa questão, ninguém deve insistir em procurar explicações na Arábia Saudita. As explicações devem ser buscadas, isso sim, exclusivamente, nos planos e cálculos estratégicos de Israel. 

E chegamos ao terceiro tema e slogan de propaganda, que deixei para o fim porque é preciso lhe dar atenção especial de algum modo é o seguinte, e não sei se é verdade ou não. O que se diz é que o príncipe herdeiro saudita reuniu ou convocou para que se reúnam os comandantes dos exércitos dessa Aliança declarada, aparentemente de 30 a 60 países (só Deus sabe quantos são), e que isso coincidiria com a demissão do chefe do governo, e que a Arábia Saudita estaria preparando uma "Tempestade da Determinação" [nome dado à agressão saudita contra o Iêmen] contra o Líbano.  

Evidentemente, para não atrair muita atenção nem parecer que dão muita importância ao tema, não se leu nem ouviu em lugar algum qualquer manifestação oficial nesses termos. Há algumas análises e alguns slogans de propaganda e mesmo algumas esperanças/expectativas que andam nessa direção também no Líbano, gente que alimenta esperanças desse tipo, sim, mas não passam de boatos, sem qualquer dado ou evidência que os comprove. Nesse sentido é slogan absolutamente sem fundamento e sem sentido algum. 

A Arábia Saudita desejaria reunir seus aliados e lançar uma ofensiva contra o Líbano, uma "Tempestade da Determinação" contra o Líbano?

Incluo-me entre os que não entendemos muito bem o que seria isso. Que a Arábia Saudita agrida o Iêmen, sim, se compreende, é país vizinho e a Arábia Saudita pode reunir seus exércitos e outros exércitos aliados para atacar o Iêmen (como está fazendo já há mais de dois anos). Mas como faria tal coisa contra o Líbano? Como seria possível? De que território partiriam para atacar o Líbano ? Partiriam da Síria, onde o projeto deles está completamente derrotado? A menos que planejem partir da Palestina ocupada e nos atacar de lá? Ou viriam do mar, apesar de a Arábia Saudita não ter Marinha? Em termos de lógica militar, até o indivíduo médio consegue entender que essa 'plano' não tem sentido nem qualquer possibilidade de acontecer. Como fariam? Não há como. 

Seja como for, não vejo que essa agressão seja possível, e ainda mais que isso. Se, por exemplo, aqueles exércitos e comandantes de estado-maior estivessem a serviço do príncipe herdeiro saudita, fosse de que modo fosse, por que não o ajudam a sair do Iêmen, onde os sauditas estão atolados, numa batalha que os exaure cada dia mais e mais completamente? 

No Iêmen, os sauditas estão atolados, afundados, completamente esmagados, numa batalha na qual o mundo está conhecendo a extraordinária coragem e resistência do povo iemenita, seus sacrifícios e seu heroísmo, apesar dos ossos pulverizados, dos assassinatos de crianças, dos massacres quotidianos. Hoje houve um massacre, há um massacre por dia, todos os dias um massacre. E o Iêmen não se entregará. 

Que a Arábia Saudita dê jeito de se livrar da sua "Tempestade da Determinação" no Iêmen, antes de falar de ataque 'semelhante' contra o Líbano. Antes até de falar de algum plano que a Arábia Saudita tenha contra o Líbano, do que pensem e do que queiram fazer, acho que todos fariam melhor se esperassem para ver o que acontecerá agora lá mesmo, na Arábia Saudita. 

Porque o número de presos e o nome dos presos já citados, se se considera a fortuna quase inacreditável de cada um, são realmente impressionantes. Hoje, ninguém sabe o que será feito da Arábia Saudita. Não quero comentar, nem avaliar coisa alguma, porque ainda não recebi dados confiáveis ou informações precisas. Antes de discutir medidas e algum plano que a Arábia Saudita tenha e que envolvam o Líbano, melhor esperar e ver o que acontece lá mesmo. E também, claro, o que se passa na região. Só então, sim, será possível falar com alguma segurança. 

Enquanto esperamos, e para os próximos dias que atravessaremos, recomendo que todos os libaneses e todos os residentes no Líbano (refugiados palestinos e sírios, expatriados...) mantenham a calma, a tranquilidade, que todos cuidemos de proteger a estabilidade que temos hoje no Líbano. Que todos procurem o diálogo, que evitemos qualquer escalada política. E que não se inquietem. 

É evidente que ninguém no Líbano tem interesse em criar tumulto. É preciso esperar pelas medidas nacionais que devem ser medidas responsáveis, no plano do Estado, a serem tomadas por Sua Excelência o presidente da República Michel Aoun, em harmonia com o Senhor Presidente da Câmara de Deputados, os partidos políticos (representados no governo) e o conjunto das forças políticas no Líbano. E se Deus quiser, todos juntos, solidários e sob profundo sentimento da responsabilidade que todos temos, conseguiremos superar essa crise e essa etapa. 

Que Deus lhes conceda saúde e sucesso. Que a paz e a misericórdia de Deus estejam com vocês. *****




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