domingo, 11 de junho de 2017

MK Bhadrakumar: Bem faria Trump se aprendesse com as loucuras de Reagan no Líbano

8/6/2017, MK Bhadrakumar, Indian Punchline











Até pelos padrões norte-americanos, a declaração da Casa Branca sobre os ataques terroristas em Teerã na 4ª-feira marca um novo recorde em termos de duplifalar dos EUA sobre terrorismo. Teerã rejeitou a declaração dos EUA como "repugnante". Numa não disfarçada referência à Arábia Saudita, o ministro de Relações Exteriores do Irã Mohammad Javed Zarif respondeu que o terrorismo com o qual o Irã tem de lidar é perpetrado por "clientes dos EUA".

Matérias de Teerã estão dizendo mais explicitamente que de início que a Arábia Saudita é responsável pelos ataques terroristas (embora o ISIS tenha formalmente reivindicado a autoria). A grande questão é até onde os sauditas agiram sozinhos ou se houve alguma coordenação tácita com EUA (e Israel.) Os três atores – EUA, Arábia Saudita e Israel – já tiveram relações clandestinas com o ISIS. Vale a pena relembrar um coronel do exército de Israel que caiu prisioneiro de forças iraquianas, durante operação contra o ISIS (aqui).

Muito interessante, declaração do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos conecta os ataques terroristas em Teerã e a visita do presidente Donald Trump dos EUA a Riad, há duas semanas. Lá se lê:


"A opinião pública mundial, especialmente a nação iraniana, vê como indício muito significativo que essa ação terrorista ocorra uma semana depois de reunião do presidente dos EUA com os chefes de um dos estados regionais mais reacionários, que têm constantemente apoiado terroristas takfiris. E entende que o movimento do ISIL, de reivindicar a autoria, indica cumplicidade nessa agressão selvagem."



Na verdade, os EUA executaram um segundo ataque numa semana, hoje, contra forças do governo sírio em Al-Tanf na região sudeste. O timing é interessante. Mostra que os EUA estão traçando uma "linha vermelha" para as forças do governo sírio, impedindo que se aproximem da passagem de fronteira com o Iraque. Em termos estratégicos é mais uma confirmação de que os EUA, a serviço de Israel e da Arábia Saudita, estão confrontando diretamente a presença iraniana na Síria. (Vide o que escrevi dia 4/6: The scramble for control of Syrian-Iraqi border [A dura luta pelo controle da fronteira sírio-iraquiana].)

O Irã não se deixará intimidar pelos ataques terroristas da 4ª-feira. O país tem longa história de resistência contra ataques do terror. A inteligência de Israel e EUA não deixaram pedra sobre pedra no passado, tentando desestabilizar o regime iraniano e assassinar líderes iranianos. O presidente Hassan Rouhani lembrou tudo isso em sua mensagem à nação, na 4ª-feira, quando reiterou que "Os incidentes terroristas em Teerã hoje reforçam, com certeza, a convicção do Irã Islâmico em campanha contra o terrorismo, o extremismo e a violência regionais." O Supremo Líder Ali Khamenei desinflou qualquer importância extra que alguém quisesse atribuir aos ataques em Teerã (FARS).

Efeitos dos ataques da 4ª-feira com certeza persistirão nos próximos tempos. O plano de jogo de EUA-sauditas-Israel será dificultar o dia a dia do Irã em casa. O vice-príncipe coroado saudita príncipe Mohammad bin Salman alertou explicitamente Teerã, mês passado, que Riad imporia guerra em solo do Irã. Os sauditas, claro, obram baseados na certeza de que Trump foi literalmente comprado pelo rei King Salman. É provável que os sauditas tenham abordado também membros da família Trump – especialmente o genro judeu –, tão logo sentiram que a família Bush já comia das mãos sauditas. Há relatos de que o rei Salman deu presentes suntuosos a Trump, no valor de $1,2 bilhão.

No que tenha a ver com o Irã, Trump pode contar com apoio do Congresso, para qualquer medida de linha dura. Os deputados e senadores dos EUA são prodigamente mantidos pelo lobby judeu e têm pesados compromissos com Israel. Assim, pode acontecer um círculo vicioso: o Congresso continuará a impor mais e mais sanções contra o Irã, ao mesmo tempo em que a Casa Branca continua a provocar Teerã. De fato, Israel já pode respirar aliviada, porque afinal a narrativa mudou: deixou de lado o conflito Israel-Palestina, e está agora dominada por terrorismo e Irã.

O cálculo de EUA-sauditas-israelenses será que, em algum momento, Teerã pode começar a retaliar. Mas é altamente improvável que o Irã opte por retaliar na mesma moeda que os terroristas contra os quais combate – e que adote também o terrorismo como instrumento chave de política do Estado. O Irã planejará cuidadosamente, metodicamente cada movimento. Muito mais provável é uma guerra à distância extensiva. Seu impacto será sentido no Iêmen, na Síria e no Iraque – e até no Afeganistão.

Desse ponto em diante, as forças dos EUA posicionadas nesses países podem começar a sentir que a vida vai-se tornando muito mais perigosa do que jamais viram. 

E não se descarte a possibilidade de que, num futuro próximo, repita-se a experiência de Beirute, do dia 23/10/1983,quando um único militante da Resistência libanesa matou 241 norte-americanos, marines, do Exército e da Marinha. Foi o atentado mais mortal contra os Marines dos EUA desde a Batalha de Iwo Jima. Em fevereiro de 1984, Ronald Reagan já providenciara para que todos os Marines dos EUA tivessem sido retirados do Líbano, sem sobrar um. 

Os que não aprendem história condenam-se a repeti-la. Trump está forçando a mão temerariamente, além da conta.*****




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