domingo, 22 de janeiro de 2017

Saudemos o presidente

Da série "Um dia antes do dia depois, ou: Baixando a bola"


21/1/2017, Eric Margolis, Blog
















Em geral evito eventos patrióticos. Invariavelmente me fazem lembrar o imbecilismo embandeirado que levou à 1ª Guerra Mundial.

De fato, cheguei a ser expulso dos Escoteiros de New York City, porque comentei em voz alta que aquele exagero de bandeiras, tambores, música marcial e uniformes paramilitares pareciam coisa da velha Juventude Hitlerista.

Mas assisti à cerimônia de posse do presidente Donald Trump (é a primeira vez que escrevo essas palavras) e tenho de admitir que a cerimônia comoveu-me mais do que é comum nesse meu modo de ser normalmente cético, cínico.

Verdade é que assisto a posses de presidentes desde que meu pai nos fez voar de New York City para assistir à posse do presidente Dwight Eisenhower em 1953. Lembro claramente do meu deslumbramento ao ver o canhão atômico gigante descendo pela Avenida Pennsylvania. Lembro de ter lido ótima biografia de Genghis Khan naquelas duas viagens nas asas da Eastern Airlines.

Dessa vez, o que mais me impressionou foi a reafirmação de o quanto os EUA somos dedicados à transferência pacífica do poder político – em casa, com certeza. Foi a 45ª vez que o mesmo milagre aconteceu. Pode parecer banal, dito assim, mas a transferência da presidência jamais deixa de me fazer sentir orgulhoso de ser norte-americano e grato por termos tido pais fundadores tão brilhantes.

Essa transferência pacífica de poder põe os EUA em lugar à parte, diferente de muitas nações do mundo, até da Grã-Bretanha e Canadá, onde os líderes, sob sistema parlamentarista, são escolhidos num processo que só se compara a uma luta de faca no escuro. Os EUA de algum modo conseguiram manter os três braços do governo, apesar dos empenhados esforços de políticos interesseiros para pôr abaixo toda a construção.

Cada novo presidente herda do antecessor um mar de problemas. A dor de cabeça máxima que Donald Trump recebe como legado de Obama, e prioridade do novo presidente, virá do Oriente Médio, área de desastre por mérito dela, mas muito piorada pela intromissão do governo Obama e seus esforços estúpidos para pôr EUA e Rússia em rota de colisão.

Graças a George W. Bush – que se atreveu a mostrar a cara na posse de Trump – e do presidente Prêmio Nobel Obama, Trump herda a mais longa guerra dos EUA, o Afeganistão, com nosso vergonhoso apoio ao tráfico em massa de drogas e à corrupção endêmica, além de nossos crimes de guerra. E acrescente a desgraça que fizemos no Iraque e agora fazemos na Síria.

Essa semana bombardeiros norte-americanos pesados B-2 atacaram a Líbia. Há forças dos EUA em combates na Somália, no Iêmen, no Paquistão e em partes da África. Para quê? Ninguém sabe dizer com certeza. As guerras dos EUA pelo mundo, alimentadas por orçamento militar de $1 trilhão, ganharam vida própria. Só uma grande potência faz guerra, dizem os que vivem de propor e fazer guerras, e "não podemos ser vistos em movimento de recuo, ou nossa credibilidade será arranhada".

Trump lutará para encontrar uma saída não muito vergonhosa de todos esses conflitos desnecessários e manter os ouvidos bem fechados para não ouvir o canto das sereias do partido da guerra e do estado profundo que acabam de fracassar na tentativa de encenar um golpe‘soft’ que o impedisse de tomar posse. Fazer pequenas guerras contra países fracos é indústria nacional multibilionária nos EUA. Os EUA são hoje tão viciados em guerra, quanto em dever dinheiro.

Se o presidente Trump quer realmente levar alguma paz àquele Oriente Médio explosivo, terá de rejeitar os conselhos dos sionistas linha-dura que escolheu para manter à sua volta. Essa gente só pensa em Grande Israel, livre de árabes, não em América Grande. Trump é espertíssimo e sabe disso, é claro. Mas pode se deixar enganar pelos ex-generais que são hoje unha e carne com o presidente, depois de terem perdido guerras no Afeganistão e no Iraque.

Trump parece ter-se deixado engambelar pela conversa de que a origem da violência no Oriente Médio seria o que ele chamou no discurso de posse de terrorismo islamista radical. É fórmula muito apreciada e promovida pela extrema direita de Israel, para deslegitimar qualquer resistência contra a expansão de Israel e a limpeza étnica promovida por Israel. O rótulo "terrorismo" tem a mesma serventia.

Alguém deve tratar de relembrar Trump de que os atacantes do 11/9 citaram duas razões para seus ataques contra os EUA: (1) a ocupação, pelos EUA, da Arábia Saudita; e (2) a continuada ocupação da Palestina apoiada pelos EUA. Ataques persistentes contra alvos ocidentais que por aqui chamamos de terrorismo são, muitas vezes, atos de revide contra nossa interferência neocolonial no mundo muçulmano, o 'Raj norte-americano', como o chamo.

Infelizmente, é pouco provável que o presidente Trump obtenha esse valioso conselho dos homens que hoje o cercam, com exceção talvez do secretário de Estado Rex Tillerson. Esperemos que Tillerson, não o banco Goldman Sachs, assuma o comando da política externa dos EUA.*****

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