segunda-feira, 13 de junho de 2016

Putin: última alternativa 'pró-ocidente' na Rússia

7/6/2016, Glenn DiesenThe Interpreter


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



O ocidente tende a antecipar uma eventual queda de Vladimir Putin como evento a considerar com entusiasmo e otimismo, porque há quem espere por alternativa mais 'pró-ocidente' ou, mesmo, por uma volta das políticas da era Yeltsin. As sanções anti-Rússia depois da reintegração da Crimeia à Rússia [chamada em alguns artigos, até hoje, "tomada da Crimeia" (NTs)] foram concebidas para empurrar a população, a comunidade dos negócios e as elites políticas contra Putin, o que obrigaria Putin a modificar suas políticas.


O que se vê agora, porém, é que a pressão está aumentando, sim, para que Putin modifique a posição russa. Mas não é pressão que parta de alguma oposição pró-ocidente, mas dos falcões que querem que o presidente esqueça para sempre o tom conciliatório e responda mais coercitivamente para deter o avanço da OTAN.

A principal pergunta em Moscou é por que a OTAN pôs-se repentinamente a reunir soldados numa movimentação militar sem precedentes junto às fronteiras russas, sob o pretexto de que haveria uma "agressão russa", e mais de dois anos depois da reintegração da Crimeia à Rússia? A resposta que mais se ouve é que os esforços para reconciliação e paz não só falharam como, além disso, e pior, foram interpretados como fraqueza, que resultou em a OTAN sentir-se empoderada.

O general Aleksandr Bastrykin, presidente da Comissão Russa de Investigação alertou recentemente que a Rússia deve desenvolver rapidamente suas forças militares e esquecer para sempre qualquer ilusão de que seja possível alcançar qualquer tipo de acordo político com o ocidente. O debate resultante faz aumentar a pressão sobre Putin, para que ele (a) desista do que é exposto como perigoso movimento de considerar a OTAN como força de paz e, em vez disso, (b) inicie preparativos para uma guerra que a cada dia parece mais inevitável. O fracasso do ocidente que não reconhece a pressão crescente contra o presidente russo deriva de o ocidente não conseguir perceber que Putin é, na realidade, a derradeira alternativa 'pró-ocidente' que resta hoje na Rússia.

A realidade sempre negligenciada no noticiário é que a única oposição realmente organizada nacionalmente na Rússia contra Putin é o Partido Comunista, furiosamente anti-ocidente, presidido por Gennady Zyuganov; e, em menor escala, também os nacionalistas radicais sob a liderança de Vladimir Zhirinovsky. No Parlamento russo, o único outro partido de oposição que tem votos é "Uma Rússia Justa", partido socialista criado em 2006 com o apoio do Kremlin. A intenção de Putin naquele momento era cultivar uma oposição mais moderada no campo da esquerda, que pudesse canalizar o voto de protesto que, sem isso, iria fatalmente para os comunistas. A nostalgia do ocidente pelos anos 1990s de Yeltsin tende a culminar no apoio a um grupo político e a oligarcas já desacreditados e politicamente irrelevantes. 

A plataforma política pró-ocidente de Yeltsin estipulava de o tal "Lar Europeu Comum" de Gorbachev só seria viável se comprometido com a democracia liberal, o capitalismo e um alinhamento declarado e sem ambiguidades com o ocidente. Yeltsin (e Gorbachev) portanto alertaram várias vezes contra a expansão da OTAN, que eliminaria toda essa plataforma política, repudiando a "Europa Expandida" e marginalizando a Rússia. 

Precisamente como previsto, a expansão da OTAN em março de 1999 vingou a oposição, que alertara que o ocidente não acolheria Moscou se se afastasse do Império e, em vez disso, passaria a trabalhar para perpetuar a subsequente fraqueza da Rússia. 

12 dias depois da expansão da OTAN, a OTAN abandonou a própria posição de 'aliança defensiva', e bombardeou a Sérvia sem mandado da ONU. Henry Kissinger avisou: ‘A transformação da aliança da OTAN, de grupo militar defensivo, para instituição preparada para impor seus valores pela força (...) minou garantias que norte-americanos e aliados várias vezes deram à Rússia, de que não havia motivos para temerem qualquer expansão da OTAN'. As políticas e plataforma de Yeltsin foram detonadas; só restaram alternativas radicais.

A narrativa simplificada, de que Putin inverteu as políticas de seus predecessores esquecem que Putin foi deliberadamente posto no poder por Yeltsin, para reformar suas insustentáveis políticas pró-ocidente. Yeltsin deixou o poder dia 31/12/1999, três meses antes das eleições presidenciais, para dar ao seu primeiro-ministro, Vladimir Putin, a vantagem de concorrer no cargo, à presidência. Tendo demonstrado que tinha habilidade para reformar as fracassadas políticas de Yeltsin, Putin derrotou, em eleições diretas e livres, o presidente do Partido Comunista e seu principal rival nas eleições à presidência.

Permanece a questão: como podem ser redefinidas as políticas russas 'pró-ocidente'? A expansão da OTAN não criou apenas uma situação desfavorável, que a Rússia conseguiria gradualmente melhorar mediante cooperação. Em vez disso, implicou que nenhum status quo diferente jamais se materializaria, com a OTAN categoricamente comprometida com a própria expansão gradual e continuada. Moscou viu-se numa situação em que não podia nem (i) estimular a expansão (se aceitasse a narrativa de que a OTAN não se encaminhava rumo a agredir a Rússia), nem (ii) resistir contra a expansão e pôr-se como agressor revanchista que a OTAN teria de conter. E, de um modo ou de outro, a OTAN continuaria a expandir-se rumo às fronteiras da Rússia; e o poder político dos russos saltaria para as mãos da oposição radical.

A solução de Putin foi reformar a abordagem pró-ocidente: passou a argumentar que a Rússia deveria integrar-se ao ocidente como iguais, em vez de correr à procura do ocidente como aspirante. Isso implicou negociar a partir de uma posição de força, em vez de viver de aceitar demandas do ocidente. Moscou equilibraria o unilateralismo ocidental, ao mesmo tempo em que – em posição concorrente –ofereceria alternativas multilaterais. Essa abordagem unificou o fragmentado espectro político da Rússia: de um lado, acomodou os que insistiam que a paz só seria alcançável com cooperação com o ocidente; e, de outro lado, incorporou também os falcões anti-ocidente, porque afirmava que a Rússia se fortaleceria e rejeitaria qualquer sistema europeu ou internacional no qual a Rússia não estivesse adequadamente representada.

O sucesso dessa acomodação foi alcançado com o "Acordo dos Espaços Comuns" entre União Europeia e Rússia [ing. Common Spaces Agreement, em 2005. Os dois lados comprometeram-se a harmonizar os esforços de integração na direção de uma região partilhada de vizinhança e, assim "contribuir para criar uma Europa Expandida sem linhas divisórias". Moscou aprofundou o acordo, com propostas para uma arquitetura de segurança pan-Europeia inclusiva; e a União Rússia-União Europeia, com livre comércio e livre circulação de pessoas, de Lisboa a Vladivostok. 

Apesar de a Rússia visar a estabelecer-se como principal proponente da unificação da Europa, todas essas propostas foram imediatamente rechaçadas como "anti-europeias" – porque minavam a primazia da União Europeia e da OTAN como representantes da "Europa". 

Em vez do que os russos haviam proposto, a integração europeia passou a ser projeto geopolítico de soma zero (o vencedor leva tudo), no qual a área de vizinhança partilhada teria de escolher: ou ficava com o ocidente, ou ficava com a Rússia. 

O Tratado de Associação com a Ucrânia, proposto pela União Europeia, em larga medida anulou todo o Acordo dos Espaços Comuns, porque Kiev teria de separar-se de Moscou e girar, como pivô, na direção de Bruxelas, economicamente, politicamente e militarmente.

A União Europeia logo rejeitou a proposta de Kiev e Moscou para preservar a neutralidade da Ucrânia, substituindo o Acordo de Associação por um acordo trilateral União Europeia-Ucrânia-Rússia. 

Enquanto o ocidente dedica muito tempo e conversa sobre a Rússia estar traindo a confiança ocidental, pouca atenção se dedica à sensação, entre os russos, de terem sido traídos. A Em Moscou já há consenso de que fracassou qualquer possibilidade de haver alguma "Europa Expandida". Se a plataforma de Putin – pró-ocidente reformada – for derrotada, a oposição se sentirá vitoriosa e ganhará novo alento o argumento dos falcões radicais, de que a Rússia deve, isso sim, preparar-se militarmente para impedir o avanço da OTAN.*****

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