sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

EUA: Por que os trabalhadores brancos desistiram dos Democratas


Entreouvido na Vila Vudu:

Robert B. Reich
 trabalhou em três governos nos EUA. Foi secretário do Trabalho no governo de Bill Clinton. Seu livro mais recente éSaving Capitalism: For the Many, Not the Few [Salvar o capitalismo: para os muitos, não para os poucos], com o que se vê que é capitalista sincero, não desses que supõem que seria facílimo se fazerem passar por comunistas.

O que abaixo se lê é amostra interessante 
do discurso ortodoxo dos liberais norte-americanos: 
é liberalismo de primeira mão.

Aí vai para ajudar a ver que o discurso/plataforma política do Partido dos Trabalhadores, no Br-2016, é menos consistente, menos palpável e até – no pé em que está hoje –, é muito menos 'elegível' em futuras eleições – que o discurso desses capitalistas liberais norte-americanos ditos Democratas, que vivem nessa relação doentia de tapas & beijos com a grana de Wall Street (e que hoje temem ser derrotados ATÉ POR UM DONALD TRUMP).

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Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Por que os brancos da classe trabalhadora nos EUA desertaram do Partido Democrata?

A resposta convencional é que os Republicanos usaram com eficácia a carta 'do racismo'.


Logo depois da Lei dos Direitos Civis [orig. Civil Rights Act], um segregacionista como George C. Wallace, governador do Alabama, liderou os sulistas brancos para que saíssem do Partido Democrata.



Adiante, Republicanos acusaram os Democratas de 'afrouxarem' no trato com "rainhas negras do bem-estar"; de serem moles com negros criminosos (“Willie Horton”); e de tentarem dar empregos a mais negros não qualificados, que a brancos mais qualificados (a batalha em torno da ação afirmativa).



O fanatismo agora vomitado por Donald Trump e vários de seus concorrentes no Partido Republicano é extensão dessa antiga carta 'racial', que hoje se vê jogada também contra mexicanos e muçulmanos – e com praticamente igual efeito, também contra brancos pobres, que não confiam que os Democratas algum dia venham a ser "firmes" contra os mais ricos.



Até aí, tudo verdade, mas essa não é a história completa. Fato é que os Democratas também abandonaram os trabalhadores brancos pobres.



Os Democratas estão na Casa Branca por 16 dos últimos 24 anos, e conseguiram importantes vitórias para as famílias de trabalhadores – the Affordable Care Act, uma Earned Income Tax Credit e a Family and Medical Leave Act, por exemplo.



Mas os Democratas nada mudaram no ciclo pervertido de riqueza e poder que vicia a economia dos EUA sempre em benefício dos mais ricos, e mina inexoravelmente a classe trabalhadora. Em vários aspectos, os Democratas foram cúmplices nessa violência.



Ambos, Bill Clinton e Barack Obama, propagandearam furiosamente a favor de acordos comerciais, por exemplo, sem correspondentemente cuidarem de garantir a sobrevivência de milhões de trabalhadores do chão de fábrica nos EUA, que perderam empregos e postos de trabalho que lhes pagassem, no mínimo, salário de sobrevida, e que foram abandonados sem outros empregos que substituíssem os que foram exportados.



Ambos também se omitiram, quando mais as empresas bateram nos sindicatos, sem os quais os trabalhadores ficam sem espinha dorsal. Clinton e Obama fracassaram ao não reformarem a legislação trabalhista de modo a que se impusessem penas significativas a empresas que violassem aquelas leis, e se garantisse aos trabalhadores o direito de organizar os próprios sindicatos em votação direta por maioria simples [orig. up-or-down votes].



Eu estava lá. Em 1992, Bill Clinton prometeu fazer essas reformas, mas, depois de eleito, perdeu todo o interesse em consumir nessa questão o próprio capital político. Em 2008, Barack Obama também prometeu mundos e fundos (lembram-se da Employee Free Choice Act?) e fez absolutamente nada.



Em parte como resultado disso tudo, a filiação aos sindicatos caiu de 22% quando Bill Clinton foi eleito presidente, para menos de 12% hoje; e os trabalhadores perderam poder de barganha para alcançar qualquer tipo de partilha nos ganhos (quando houver) da economia.



Para piorar, o governo Obama protegeu Wall Street de sofrer as consequências daquela jogatina viciosa, mediante o mais gigantesco 'resgate' pago com dinheiro dos contribuintes jamais visto; mas deixou que milhões de famílias proprietárias de casas abaixo da linha d'água afundassem de vez.



Ambos, Clinton e Obama também permitiram que as leis antitruste morressem de inanição – com o resultado de fazer cada dia maiores as já grandes corporações, e mais concentradas as já super concentradas grandes indústrias.



Por fim, deram as costas à reforma das finanças para campanhas eleitorais. Em 2008, Obama foi o primeiro candidato a presidente desde Richard Nixon a rejeitar o financiamento público em suas duas campanhas, nas primárias e na eleição geral. E jamais cumpriu a promessa da reeleição, de que trabalharia a favor de uma emenda constitucional que revertesse a decisão de 2010, da Suprema Corte, em “Citizens United v. FEC,” que escancarou as comportas e causou inundação mortal de dinheiro, nas eleições e na política dos EUA.



O que acontece quando você combina comércio cada vez 'mais livre', sindicatos cada vez menores, resgate de Wall Street (não importa o que façam lá), poder crescente das corporações sobre os mercados, e fim de qualquer ação que vise a reformar o financiamento das campanhas eleitorais?



Nessas circunstâncias, você dá peso ainda maior ao poder econômico dos mais ricos. E você entrega aos leões a classe trabalhadora.



Por que os Democratas nada fizeram para resistir a essa mudança a favor dos já tão poderosos? Sim, é verdade, enfrentaram Congressos de maioria Republicana sempre mais e mais hostis. Mas nos primeiros dois anos dos respectivos mandatos, ambos os governos, de Clinton e de Obama, controlavam as duas casas.



Em parte, foi porque os Democratas engoliram a conversa fiada do "voto oscilante da classe média alta" – das chamadas “mães de alambrado" [orig. “soccer moms”] nos anos 1990s e de profissionais politicamente independentes nos anos 2000s – que alguém inventou que determinaria os resultados eleitorais.



Enquanto isso, e já desde os anos 1980s, os Democratas passaram a beber da mesma fonte de dinheiro para financiar campanhas eleitorais da qual bebiam os Republicanos – grandes corporações, Wall Street e os mais ricos dos ricos do país.



“O Business tem de nos aguentar, gostem ou não gostem, porque somos a maioria" – cacarejava o representante Democrata Tony Coelho, presidente do Comitê de Campanha Democrata para o Congresso nos anos 1980s, quando os Democratas convenceram-se de que permaneceriam por anos e anos no controle do Câmara de Representantes.



Os Democratas de Coelho logo alcançaram a paridade em matéria de contribuições de empresas e de Wall Street, mas o negócio, como logo se viu, foi um pacto faustiano, firmado com o Diabo em pessoa, com os Democratas cada dia mais financeiramente dependentes das grandes empresas e de Wall Street.



Nada na política é para toda a eternidade. Os Democratas poderiam ter-se afastado de Wall Street e das empresas, e andado na direção da classe trabalhadora – montando uma coalizão da classe trabalhadora, com pobres, brancos, negros, latinos e todos que o partido descartara antes, quando se movimentou na direção dos ricos e poderosos, para chegar ao poder.



Isso daria aos Democratas a força política para reestruturar a economia – o que é diferente de aplicar paliativos que só fazem fingir que recobrem e escondem a crescente concentração de riqueza e poder, nos EUA.



Mas para fazer isso, os Democratas têm de parar com os esforços obcecados para 'não incomodar' os eleitores dos bairros ricos, ditos 'oscilantes', e têm de pôr fim à dependência do dinheiro de grandes empresas, de Wall Street e dos mais ricos.



Conseguirão? Aí está um dos mais dramáticos  não sabidos da política dos EUA para 2016 e para muito depois de 2016.*****

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