sábado, 5 de dezembro de 2015

Por que a mídia-empresa liberal odeia Trump

04/12/2015, Pat Buchanan,* Unz Review (ligeiramente modificado na tradução. Guerra é guerra)

"É mais que hora de os democratas se prepararem para travar a luta de classes.
Fascistas em geral, banqueiros, ruralistas, empresários da mídia-empresa, jornalistas fascistas sinceros
(e até Donald Trump!) –  NUNCA DESCUIDAM da luta de classes.

[Yanis Varoufakis, em conferência em Londres, citado sem a fonte, ligeiramente adaptado]

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Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Nos tempos feudais havia os "três estados" – a Igreja, a nobreza e os comuns. O primeiro e o segundo foram erradicados pela Revolução de Robespierre.

Mas nos séculos 18 e 19, Edmund Burke e Thomas Carlyle identificaram o que o último chamou de um "estupendo quarto estado".

William Thackeray (1811-1863) escreveu: "Da Corporação da Pena de Ganso – da Imprensa – do quarto estado. Aí está ela, a grande máquina que nunca dorme. Tem embaixadores em todos os cantos do mundo, seus mensageiros, por todas as estradas. Gente dela marcha com exércitos, seus enviados caminham pelos gabinetes dos estadistas."

O quarto estado, a mídia-empresa, discípulos de Voltaire, substituíram a Igreja que ele mesmo destronara, na função de novos árbitros da moralidade e retidão.

ATENÇÃO: É besteira até para paleoconservadores, data venia, pretender que um Aqui Camel – que ganha a vida sem nenhuma 'Luzes', só no sapateio sobre o direito de dizer-falar de todos e quaisquer que não sejam ele mesmo & patrões dele – seria "discípulo de Voltaire". Besteira braba. Voltaire não merece [NTs]. 

Hoje, a mídia-empresa decide quais palavras são permitidas e quais ideias são aceitáveis. A mídia-empresa conduz inquisições, nas quais uns hereges são postos em listas negras e excomungados da convivência com gente decente, enquanto outros hereges recebem indulgência eterna para chafurdarem em heresias.

Com a ascensão das redes-empresas de televisão e suas vastas audiências, o quarto estado alcançou o apogeu nos anos 1960s e 1970s, e teve papel chave para elevar JFK e destruir Lyndon Johnson e Richard Nixon.

Mas antes de ser derrubado, Nixon infligiu ferimentos profundos e duradouros no quarto estado.

Quando a mídia-empresa nacional norte-americana e seus braços auxiliares começaram a trabalhar contra sua política para a Guerra do Vietnã em 1969, Nixon convocou a "grande maioria silenciosa" para que o defendesse, e escalou o vice-presidente Spiro Agnew para lançar um contra-ataque contra os preconceitos e os poderes das redes.

Uma vasta maioria alistou-se nas fileiras de Nixon e Agnew, e assim se viu a distância gigantesca que já então separava Nossos Senhores Espirituais e Temporais, e os EUA.

Nixon, o homem mais odiado pelas elites na era do pós-guerra, exceto Joe McCarthy, que também detestava e combatia contra a mídia-empresa, logo depois obteve vitória retumbante em 49 estados, contra o candidato da mídia-empresa e da contracultura, George McGovern. A fúria dos jornalistas explodiu.

E com Watergate, os jornalistas conseguiram arrancar sua "libra de bela carne"[1]. Em agosto de 1974, a mídia-empresa alcançara um novo píncaro de prestígio nacional.

Em 
The Making of the President 1972Teddy White descreve o poder que a "mídia-empresa adversária" havia alcançado na vida pública nos EUA:

"O poder da mídia-empresa nos EUA é primordial. É ela quem determina a agenda da discussão pública; e é poder crescente que nenhuma lei limita ou controla. A mídia-empresa determina sobre o que as pessoas devem falar e pensar – autoridade que, em outros países, é reservada a bispos, partidos, tiranos e mandarins."

Nixon e Agnew foram atacados por não compreender a liberdade que a 1ª Emenda assegura à mídia-empresa. Na verdade, aqueles empresários e seus empregados serviam-se da liberdade que tinham, garantida pela 1ª Emenda, para ensinar a suspeitar muito gravemente da objetividade, da confiabilidade e da veracidade, não dos discursos do poder, mas, exclusivamente, dos discursos de qualquer mídia-empresa que se ponha em posição de adversário político do partido governante.

Desde daquela época, os conservadores atacam incansavelmente a mídia-empresa que os ataca. E 40 anos dessa guerra sem fim já despiu a mídia-empresa, completamente, de sua pia pretensão de neutralidade.

Milhões já aprenderam a ver a mídia-empresa como empreendimento de empresários-ideólogos travestidos de jornalistas liberais, que usam privilégios e poderes liberais que se reservavam a uma imprensa que ainda aspirava sinceramente à democracia, mas, agora, para promover agendas que pouco diferem dos programas de candidatos e partidos que aqueles empresários-midiáticos e seus empregados favorecem. E nada os detém: nem lei nem urna.

Mesmo antes de Nixon e Agnew, os conservadores já sabiam disso.

Na convenção de Goldwater, no Cow Palace em 1964, quando o ex-presidente Eisenhower falou de "colunistas e comentaristas à caça de sensacionalismos", o público explodiu em aplausos, para surpresa do próprio Eisenhower.

É onde entra "O Donald".

A popularidade do homem pode ser explicada pela evidência de que ele rejeita a autoridade moral da mídia-empresa, peca descaradamente contra todos aqueles 'mandamentos' e ri das 'condenações' daquela Inquisição. O desprezo que sente pelo 'politicamente correto' está exposto, à vista, todos os dias.

E vasta fatia dos EUA que também detesta a mídia-empresa (cujo desprestígio na opinião pública só se compara hoje ao desprestígio do Congresso!) manifesta, agora livremente, a mesma posição de desafio. A única coisa que esse pessoal todo jamais perdoará, é se Trump pedir desculpas à mídia-empresa.

Nessa correlação de forças, a mídia-empresa faz o que Trump a manobra para que ela faça.

Vivem a denunciar Trump como grosseirão insensível, pelo que tenha dito sobre mulheres, mexicanos, muçulmanos, McCain e um repórter portador de uma necessidade especial. Tais crimes contra a decência, diz a mídia-empresa, desqualificariam Trump como candidato a presidente.

Mas quando a mídia-empresa 'exigiu' que Trump se desculpasse, ele subiu [para alguns; para outros, baixou] o tom das 'declarações'. E quando a mídia-empresa 'exigiu que os Republicanos rejeitassem Trump, a própria base doGOP (Great Old Party) respondeu:

"E quem, diabos, a mídia-empresa pensa que é, para nos dizer quem devemos ou não devemos indicar como nosso candidato? A mídia-empresa não é amiga. Não votará conosco. E tudo que vocês dizem de Trump – que seria racista, xenófobo, sexista – vocês dizem também de nós, nada além de conversa fiada, a mesma conversa fiada que uma mídia-empresa corrupta e corrompível sempre usa para atacar quem não a bajula."

O que a campanha de Trump revela é que, para libertaristas[2] e Republicanos, a mídia-empresa equivale hoje exatamente ao que foram, para os comuns e os camponeses de 1789, o Ancient Régime e os cortesãos do rei sitiados em Versailles.

Problema é que, com o quarto estado tão completamente desacreditado quanto a Igreja em 1789, já não há opinião que todos respeitem, sobre o que seja verdade, moralidade, decência e ética. Como os romanos do século 4º, só concordamos, e mal e porcamente, quanto a o que aquelas palavras já NÃO significam.*****





* Patrick Joseph "Pat" Buchanan é comentarista paleoconservador, jornalista e autor de livros. Foi alto conselheiro dos presidentes Richard Nixon, Gerald Ford e Ronald Reagan, e candidato à indicação dos Republicanos à presidência em 1992 e 1996. Mais em WikiLeaks.


[1] Orig. pound of flesh. É expressão de Shakespeare em O Mercador de Veneza ato 1, cena 3, pp. 156-163 (fala Shylok): "Quero dar-vos prova dessa amizade. Acompanhai-me ao notário e assinai-me o documento da dívida, no qual, por brincadeira, declarado será que se no dia tal ou tal, em lugar também sabido, a quantia ou quantias não pagardes, concordais em ceder, por equidade, uma libra de vossa bela carne, que do corpo vos há de ser cortada onde bem me aprouver" (NTs).


[2] Sobre isso, ver nota em "O que querem os irmãos Koch", 12/4/2014, redecastorphoto, aqui cortada-colada:


"Traduzimos a expressão libertarian [aqui, populist], por “libertarista”, para tentar fugir da confusão com “libertário”, expressão que, em português, sempre esteve associada ao anarquismo comunista e (com "populista", que é conceito completamente diferente no Brasil). Os libertaristas são a extrema direita. No Brasil, os black-bloc são libertaristas, mas não são libertários.

Nos EUA, se o cara não for um diabão da falange do Pastor (Malafaia) Maldito e/ou da falange da Blogueira Cubana Nefanda, ele já é apresentado como progressista e/ou populist. E se, dentre os progressistas, ele não for um Obama acuado pelo Complexo Industrial-Militar e rendido ao dinheiro dos sionistas, pronto: já é apresentado como se fosse “Left” [“esquerda”] podendo, num ou noutro caso ser apresentado – e logo apagado do mundo que a grande imprensa-empresa conservadora inventa – como um “radical”).

É quase impossível traduzir essas designações genéricas, porque quando, nos EUA, se diz liberal, fala-se exclusivamente de liberaisprogressistas, mas designados como se fossem uma quase-esquerda burguesa, democrática, metida a “ética”; às vezes, até, aproxima-se de alguma esquerda revolucionária. Se o sujeito estiver um centímetro à esquerda do "Khaganato dos Nulands", pá! Já é dito “liberal”, nos EUA" [NTs].

Um comentário:

Unknown disse...

muito bom!!!

"O quarto estado, a mídia-empresa, discípulos de Voltaire, substituíram a Igreja que ele mesmo destronara, na função de novos árbitros da moralidade e retidão."
'ATENÇÃO: É besteira até para paleoconservadores, data venia, pretender que um Aqui Camel – que ganha a vida sem nenhuma 'Luzes', só no sapateio sobre o direito de dizer-falar de todos e quaisquer que não sejam ele mesmo & patrões dele – seria "discípulo de Voltaire". Besteira braba. Voltaire não merece [NTs].'